quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Expresso do Amanhã | Muito mais do que parece. (Crítica)



Depois de DOIS LONGOS ANOS desde seu lançamento oficial (sim, esse filme lançou em 2013), eis que Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013) chegou, hoje (27/08/2015), aos cinemas brasileiros. Dirigido por Joon-Ho Bong — responsável pelo aclamado O Hospedeiro (The Host, 2006) — e estrelado por grandes e conhecidos nomes como Chris Evans, Tilda Swinton, Song Kang-ho, Jamie Bell, John Hurt, Octavia Spencer e Ed Harris.

Baseado na HQ francesa de mesmo nome (na verdade, o nome original em francês é Le Transperceneige, mas em inglês fica Snowpiercer mesmo :D), de Jacques Lob Jean-Marc Rochette, por aqui chamada de "O Perfura-Neve", Snowpiercer conta uma história pós-apocalíptica de um planeta Terra que sofre de mais uma Era Glacial (provavelmente a sexta na história do planeta), de grandes proporções, causada por uma tentativa falha de cientistas de tentarem reverter o aquecimento global. Com o mundo mergulhado em gelo e neve, os últimos sobreviventes da humanidade se refugiam dentro de um potente trem, que se mantém em constante movimento, o Snowpiercer.

A bordo do Snowpiercer há uma discrepância absurda entre as classes sociais. As pessoas que vivem nos primeiros vagões do trem, ou seja, na parte da frente, vivem felizes uma vida de luxo, com comida e água frescas, escolas e etc, enquanto o pessoal que vive nos últimos vagões, seção chamada de "a cauda", vive em completa miséria, sem acesso à água potável, sem direito a banhos, camas ou qualquer qualidade de vida minimamente decente, condenados a se alimentarem de uma espécie de barra de proteínas gelatinosa e de origem duvidosa enquanto são constantemente vigiadas por guardas armados.




Curtis (Chris Evans, o nosso querido Capitão América) é um cara no auge dos seus 35 anos que vive na cauda do trem e que planeja uma revolta. Sua ideia é de todos os habitantes da cauda se unirem, subjugarem os guardas e começarem seu trajeto em direção à parte da frente do trem onde pretendem chegar à sala de máquinas. Quem controla a sala de máquinas controla o Snowpiercer e, nesse momento, o manda-chuva do trem é um cara chamado Wilford, o homem responsável por construir o veículo e que hoje é basicamente tratado como um deus pelos habitantes da frente.

Como eu falei no inicio do artigo, Expresso do Amanhã demorou dois anos para estrear nos cinemas brasileiros e, embora a demora para a estreia aqui foi muito maior do que em outro lugar, o longa vem sofrendo de umas decisões meio estranhas para suas estreias em diversos países. Mesmo aclamado pela crítica nos festivais em que ele foi apresentado há dois anos atrás, ele ainda enfrentou problemas para ser lançado no circuito comercial de cinemas, talvez porque sua produtora tenha achado que ele não fosse um filme muito mainstream e, de certa forma, é verdade.

Tecnicamente, ESTETICAMENTE, Expresso do Amanhã é quase impecável. Dirigido com maestria por Joon-Ho Bong, que dirige de um jeito não muito convencional, mas que sabe muito bem montar cenas surpreendentes que trazem aquela sensação de "eu não acredito que tô vendo isso", mas que também domina a arte de usar o silêncio nos momentos certos, criar tensão e imersão da audiência.




As direções de arte e fotografia trabalham juntas em uma harmonia assombrosa e lindíssima. Apesar da perceptível, mas linda, discrepância nos visuais da parte rica do trem — que é bastante colorida, trabalhada num extenso leque das mais diversas cores, além de músicas, pessoas e figurinos que trazem a sensação de alegria — e da parte miserável — que é muito mais trabalhada em tons escuros de cinza, marrom e preto, denotando a angústia de seus habitantes através dos farrapos que se passam por roupas ou do silêncio prevalente —, é quando esses dois "mundos" se encontram que reside a joia do longa. Ver uma mulher toda limpa e bem-arrumada, vestida com um longo casaco amarelo, em meio a diversas pessoas sujas e maltrapilhas é de encher os olhos. Palmas para Kyung-pyo Hong, o diretor de fotografia, e Stefan Kovacik, diretor de arte, além dos outros membros de ambos os departamentos, e também Ondrej Nekvasil, o production designer da parada.

É claro que o longa não é livre de falhas, e a maior delas se encontra no trabalho com as câmeras. Há aqui, na cenas de ação mais corridas, a infame shaky cam, que nada mais é do que quando o operador de câmera pega ela na mão e sacode como se não houvesse amanhã. O motivo disso pode ser provavelmente o mesmo de sempre: o estúdio quis esconder o máximo de violência para que o filme recebesse uma classificação indicativa mais abrangente, como a PG-13. Mas, se essa foi a intenção (e parece que foi, afinal basta uma análise mais atenciosa às cenas de ação do filme, e a falta de muito gore), não adiantou de nada, porque o longa tomou classificação R. De qualquer modo, fato é que o longa tem o uso da "câmera sacudida" e isso incomoda bastante.




As atuações também são ótimas, principalmente a de Chris Evans, que é a melhor que ele já deu em toda a sua carreira, e mostra que, mesmo que o ator pretenda se aposentar da carreira de ator e se focar em direção, essa pode não ser a melhor ideia, porque ele anda fazendo um trabalho muito bom ultimamente. Há uma cena em específico onde ele "desabafa" para outro personagem. Pode-se não gostar de Chris Evans, mas, se mesmo depois dessa cena, você não reconhecer seu talento, você tá fazendo algo errado, cara.

Outros destaques ficam para John Hurt, com seu personagem sofrível, Octavia Spencer, que foge de seu clichê de alívio cômico de modo surpreendente, e Ed Harris, que "destrói" sempre.

Expresso do Amanhã é um filme que, "por cima", fala de uma revolta de um pessoal que quer tomar um trem. Mas, "abaixo da superfície", por assim dizer, ele é um muito mais profundo do que isso, nos desafiando a perceber o modo como vemos a sociedade e como ela funciona, como o ser humano age ao ser rebaixado ao mais baixo nível de humilhação e decadência, como a religião fanática e a política afeta a vida das pessoas, através de uma metáforas bem perturbadoras.

No final, é diversão garantida pra quem só quer apreciar uma açãozinha, mas promete ainda mais diversão pra quem quiser destrinchá-lo até o fim. Vai pro cinema e assiste logo Expresso do Amanhã!


AVALIAÇÃO: 4/5
"Ótimo"


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