quinta-feira, 2 de junho de 2016

Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos | O fim de uma maldição e o início de uma nova era dos games no cinema. (Crítica)



Por mais de 20 anos os amantes dos games têm esperado suas franquias favoritas serem adaptadas para o cinema e, vez após outra, têm sido decepcionados sem dó nem piedade. Fãs de franquias como Resident Evil, Mortal Kombat, Doom, Alone In The Dark, House of The Dead, Tekken, Silent Hill, Prince of Persia, Super Mario Bros. e várias outras sofreram mais decepções do que é saudável nessa vida e até nas próximas. Até quando algum filme chega perto de ser considerado aceitável, como o primeiro Mortal Kombat e o primeiro Silent Hill, suas sequências são tão ruins quanto se os criadores pensassem: "o primeiro não foi ruim o suficiente, vamos fazer péssimo dessa vez!", vide Mortal Kombat: A Aniquilação e Silent Hill: Revelações.

Por causa disso, foi-se criando a ideia de que games, por mais incríveis que possam ser suas histórias, não combinam com cinema, e a cada vez que era anunciada a versão cinematográfica de algum jogo, seus fãs eram preenchidos mais por apreensão e medo do que por esperança e alegria. Sempre era certeza de ia dar ruim.

Então aqui estamos, em 2016, e a gigantesca franquia da Blizzard finalmente saiu do papel e dos computadores e foi direto às telonas dos cinemas. Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos (Warcraft) ganhou vida pelas mãos do mais que competente diretor Duncan Jones, acompanhado de um elenco composto por grandes nomes como Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper e Toby Kebbell.




Com as críticas de Warcraft saindo pela internet afora, os gamers fãs da série começaram a questionar a "credencial gamer" (como disse o Marcelo Rodrigues do Tecmundo Games) dos críticos, até mesmo quando tal crítica era postada em sites dedicados aos jogos, como o Kotaku, que não foi muito gentil com o filme.

Sendo assim, eis o meu currículo: jogo videogames desde antes de ser considerado um ser-humano. Se me lembro bem, foi na barriga da minha mãe que eu comecei a jogar um Super Nintendo. A série Warcraft, por exemplo, eu acompanho a bastante tempo. Por mais que não tenha jogado muito o primeiro jogo da série, Orcs vs Humans (no qual esse filme se baseia, com algumas alterações, claro), eu passei mais tempo do que devia jogando Warcraft 3 e a sua expansão The Frozen Throne (discos que eu tenho, até hoje, em casa, originais e impecáveis). Me adentrei um pouco tarde no mundo de World of Warcraft e, embora eu já tenha jogado muito mais tempo do que é saudável dizer (minha família provavelmente pensou em me exorcizar mais de uma vez) e ainda jogo (inclusive, espero ansiosamente por Legion), não fiz parte da era de ouro que foi quando a Aliança e a Horda pararam sua tão constante briga para se defenderem da ameaça maior que era a Scourge comandada pelo Lich King da vez, Arthas Menethil. Na verdade, eu adentrei no MMO logo após Pandaria ser descoberta. Perdi os melhores dias, verdade, mas eu fiz minha lição de casa. Se você está se perguntando se eu entendo de Warcraft.... sim. Eu sei bastante. Eu sei o suficiente.

Segue aviso: eu me recuso a chamar os lugares e personagens pelos nomes em português. Obrigado, de nada.

Se você não entendeu porra nenhuma do que eu falei até agora, isso pode ser um sinal ruim. Mas vamos com calma:




Warcraft tem dois personagens principais. De um lado, nós seguimos o orc Durotan (Toby Kebbell), líder do clã The Frost Wolves (aqui chamados de Clã Lobo de Gelo), membro da Horda de orcs do warlock (bruxo) Gul'dan (Daniel Wu) que está prestes a invadir o mundo (relativamente) pacífico de Azeroth, a terra dos humanos, visto que seu mundo, Draenor, está prestes a morrer.

Do outro lado, temos o comandante humano Anduin Lothar (Travis Fimmel), que precisa, a todo custo, segurar os avanços da Horda e defender Azeroth para prevenir a escravização e possível extinção dos humanos e, quem sabe, de todas as espécies do mundo.

Para os gamers e fãs da saga de RTSs e do MMO, Warcraft é um prato cheio e glorioso. Duncan Jones, o filho do falecido mestre David Bowie, conhecido por seus trabalhos em Lunar e Contra o Tempo, é gamer convicto e um grande fã da franquia da Blizzard e é louvável sua resistência ao estúdio para poder fazer um filme que agrade o pessoal fã do material original. O longa quase cheira aos jogos, tamanha é a fidelidade visual. Para um fã da saga, visitar lugares como Ironforge, Stormwind, Dalaran (que já tá voando, por algum motivo) e Kharazan (sem a raid, por enquanto :D) e ver seus personagens favoritos como Durotan e Draka, Blackhand e Gul'dan, e até aparições (como figurantes, mas tudo bem) de grandes nomes como Grommash Hellscream, o Rei Magni Bronzebeard e Kargath Bladefist, líder do clã Shattered Hand, além de Medivh, Khadgar (que aqui é chamado de Hadghar), Lothar e o rei Llane, além do jovem Varian, nas telonas de um cinema e de forma tão fiel é quase como ter um orgasmo. Ver os anões de Ironforge e os High Elfs em live-action é emoção demais para um só coração aguentar.




Como uma adaptação do jogo, Warcraft é quase perfeito. E é exatamente aí que jaz o maior problema do longa.

Eu sempre costumo dizer que uma adaptação cinematográfica, seja de um livro, de quadrinhos ou até mesmo de um jogo, tem sempre que se sustentar com suas próprias pernas e não depender do material original para ser boa. Warcraft é justamente o contrário. Quem nunca jogou os games e não entendeu merda nenhuma do que eu venho falando até agora, dificilmente vai se envolver com os personagens ou gostar do resultado final. 

E essas são as falhas de Warcraft como um filme. Seu roteiro é bastante apressado. O primeiro ato, por exemplo, joga várias informações na cara da audiência mas ao mesmo tempo não diz o suficiente. Isto é, informações que qualquer entendedor do lore do game capta sem pestanejar, mas que, pra qualquer outra pessoa, essas informações não são o bastante. 

Há várias coisas que ficam sem explicação (coisas que eu definitivamente não posso falar aqui, é spoiler demais já que várias delas envolvem um personagem-chave para a história). Mas, por mais que eu não possa citar exatamente as coisas que ficam sem explicação, posso dar um exemplo: há mais de uma menção a Sargeras no filme, sem nunca dizer, exatamente, que é dele que se fala, mas se você conhece o lore dos games, você sabe muito bem. Você que conhece os jogos provavelmente sabe da relação de Medivh com Sargeras, e pra você não vai rolar nenhum problema. No entanto, quem nunca ouviu falar de uma Hearthstone antes dificilmente vai conseguir tirar a cara de pastel e a sensação de "que diabos tá rolando" da cabeça, em vários momentos do longa.




O desenvolvimento dos personagens não é exatamente muito bom também. Mas é a mesma história: se você jogou, você vai se importar, senão, dificilmente.

A atuação de quase todo mundo não tem problemas EXCETO a de Travis Fimmel que me incomodou em um nível superior. Se você assistiu a série Vikings, vai notar que o papel de Travis aqui é de Ragnar Lothbrok, não de Anduin Lothar. O personagem é quase o mesmo e até os trejeitos lembram o líder viking.

Por fim, a edição é bastante "eufórica". Pense em Batman v Superman, onde existem cortes de um lugar para o outro constantes o suficiente para acontecerem antes de você conseguir se acostumar com o que está acontecendo. Por exemplo: você mal começa a entender o que está rolando numa cena e CORTE, outra cena.

A direção de Jones não arrisca muito. Dificilmente, por exemplos, as câmeras se mexem. Raramente vemos um dolly-shot "quando a câmera se move sobre um trilho em direção a um ator) ou um tracking shot (quando a câmera se move sobre um trilho acompanhando os atores enquanto eles se movem, um favorito de Spielberg, por exemplo). Planos-sequência estão fora da questão. O longa se limita a, no máximo, alguns planos longos, mas nada demais. Não chega a incomodar, claro. Só é bem simplista e nada arriscado. Na verdade, as maiores "arriscadas" acontecem mais quando a câmera está acompanhando os (belíssimos) grifos em pleno voo, por exemplo.

Mesmo assim, justamente por ser uma coisa tão contida, percebe-se que Jones, mesmo com sua extrema fidelidade ao material original, pode não ter sido o cara certo para esse filme. Parece cada vez mais aparente que diretores mais "indie" não são os caras certos para dirigirem grandes blockbusters natos (como Warcraft). Nomes não faltam: Colin Trevorrow por Jurassic World, Marc Webb por O Espetacular Homem-Aranha e sua sequência, Josh Trank por Quarteto Fantástico...




O maior destaque de Warcraft — além da fidelidade como adaptação, claro — está mesmo nos seus efeitos especiais. Que efeitos, meus caros! Eu sei que é basicamente chover no molhado quando se diz isso, mas trabalho da Industrial Light & Magic aqui é fenomenal. Eu sou daqueles que sempre vai preferir efeitos práticos à CGI, mas o que a ILM fez neste longa é quase como bruxaria. Com uma tecnologia de captura de movimento que mais parece ser uma versão atualizada daquela usada em Avatar do James Cameron, os modelos dos personagens de computação são de cair o queixo. Os detalhes são incríveis e vão desde os poros na pele dos orcs, que estão mais reais do que nunca, até as penas e os pelos (que se movimentam individualmente como se tivessem vida própria) dos grifos e dos wargs, respectivamente. Azeroth também está lindíssima. Não digo isso apenas levando em conta a fidelidade de Jones que beira o doentio, mas também a fusão imperceptível de efeitos práticos (boa parte dos cenários foi realmente construída) e da computação.

Outro destaque merecido vai para a trilha sonora de Ramin Djawadi, um nome que cresce cada vez mais no cinema. Conhecido por seus trabalhos impecáveis em Circulo de Fogo, Game of Thrones e até mesmo no reboot da franquia Medal of Honor, Djawadi faz um trabalho impecável com mais de uma hora de uma trilha épica que tem a alma dos jogos. O tema principal, que é bastante recorrente (com algumas variações), é o maior destaque. Os metais, as cordas e a percussão dão à trilha aquele ar tribal que tanto permeia a trilha sonora oficial dos RTSs e do MMO.




No fim das contas, Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos é glorioso para os fãs dos games. Uma adaptação quase impecável para os cinemas que vai agradar quase todos os fãs (tem aqueles mais puristas que estão se mordendo porque o filme faz algumas alterações no lore original, mas também não dá pra agradar todo mundo). Do outro lado da moeda, os recém-chegados dificilmente vão simpatizar com os personagens ou se envolver com o enredo (embora esteja acontecendo, aparentemente). Warcraft é um filme que se apoia demais no seu material original para brilhar, e é exatamente isso que as futuras sequências — que só dependem do desempenho deste filme nas bilheterias (que precisa ser pelo menos uns US$ 400 milhões) para existirem, porque a brecha pra sequência neste filme é tão sutil como um elefante — vão ter que mudar se quiserem transformar Warcraft numa saga, o que eu espero muito.

De qualquer forma, uma coisa é certa: estamos olhando para o início de uma nova era nos filmes baseados em videogames. Parece que tempos melhores estão chegando.


AVALIAÇÃO: 3/5
"Bom"

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